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domingo, 8 de dezembro de 2013

Cuidados Paliativos: Características e Histórico.

(Texto da ANCP*)

O alívio do sofrimento, a compaixão pelo doente e seus familiares, o controle impecável dos sintomas e da dor, a busca pela autonomia e pela manutenção de uma vida ativa enquanto ela durar: esses são alguns dos princípios dos Cuidados Paliativos que, finalmente, começam a ser reconhecidos em todas as esferas da sociedade brasileira.

Os Cuidados Paliativos foram definidos pela Organização Mundial de Saúde em 2002 como uma abordagem ou tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida. Para tanto, é necessário avaliar e controlar de forma impecável não somente a dor, mas, todos os sintomas de natureza física, social, emocional e espiritual.

O tratamento em Cuidados Paliativos deve reunir as habilidades de uma equipe multiprofissional para ajudar o paciente a adaptar-se às mudanças de vida impostas pela doença, e promover a reflexão necessária para o enfrentamento desta condição de ameaça à vida para pacientes e familiares. (Vídeo)

Para este trabalho ser realizado, é necessário uma equipe mínima, composta por: um médico, uma enfermeira, uma psicóloga, uma assistente social e pelo menos um profissional da área da reabilitação (a ser definido conforme a necessidade do paciente). Todos devidamente treinados na filosofia e prática da paliação.

A Organização Mundial de Saúde desenhou um modelo de intervenção em Cuidados Paliativos onde as ações paliativas têm início já no momento do diagnóstico e o cuidado paliativo se desenvolve de forma conjunta com as terapêuticas capazes de modificar o curso da doença. A paliação ganha expressão e importância para o doente à medida que o tratamento modificador da doença (em busca da cura) perde sua efetividade. Na fase final da vida, os Cuidados Paliativos são imperiosos e perduram no período do luto, de forma individualizada.

As ações incluem medidas terapêuticas para o controle dos sintomas físicos, intervenções psicoterapêuticas e apoio espiritual ao paciente do diagnóstico ao óbito. Para os familiares, as ações se dividem entre apoio social e espiritual e intervenções psicoterapêuticas do diagnóstico ao período do luto. Um programa adequado inclui ainda medidas de sustentação espiritual e de psicoterapia para os profissionais da equipe, além de educação continuada.

A condição ideal para o desenvolvimento de um atendimento satisfatório deve compreender uma rede de ações composta por consultas ambulatoriais, assistência domiciliar e internação em unidade de média complexidade, destinada ao controle de ocorrências clínicas e aos cuidados de final de vida. 

Informações sobre a definição de Cuidados Paliativos pela Organização Mundial da Saúde estão no link: http://tinyurl.com/5228js


História dos Cuidados Paliativos

Alguns historiadores apontam que a filosofia paliativista começou na antiguidade, com as primeiras definições sobre o cuidar. Na Idade Média, durante as Cruzadas, era comum achar hospices (hospedarias, em português) em monastérios, que abrigavam não somente os doentes e moribundos, mas também os famintos, mulheres em trabalho de parto, pobres, órfãos e leprosos. Esta forma de hospitalidade tinha como característica o acolhimento, a proteção, o alívio do sofrimento, mais do que a busca pela cura.

No século XVII, um jovem padre francês chamado São Vicente de Paula fundou a Ordem das Irmãs da Caridade em Paris e abriu várias casas para órfãos, pobres, doentes e moribundos. Em 1900, cindo das Irmãs da Caridade, irlandesas, fundaram o St. Josephs´s Convent, em Londres, e começaram a visitar os doentes em suas casas. Em 1902, elas abriram o St. Joseph´s Hospice com 30 camas para moribundos pobres.


Cicely Saunders e os Cuidados Paliativos modernos

Cicely Saunders nasceu em 22 de junho de 1918, na Inglaterra, e dedicou sua vida ao alívio do sofrimento humano. Ela graduou-se como enfermeira, depois como assistente social e como médica. Escreveu muitos artigos e livros que até hoje servem de inspiração e guia para paliativistas no mundo todo. 

Em 1967, ela fundou o St. Christopher´s Hospice, o primeiro serviço a oferecer cuidado integral ao paciente, desde o controle de sintomas, alívio da dor e do sofrimento psicológico. Até hoje, o St. Christopher´s é reconhecido como um dos principais serviços no mundo em Cuidados Paliativos e Medicina Paliativa.

Cicely Saunders conseguiu entender o problema do atendimento que era oferecido em hospitais para pacientes terminais. Até hoje, famílias e pacientes ouvem de médicos e profissionais de saúde a frase “não há mais nada a fazer”. A médica inglesa sempre refutava: “ainda há muito a fazer”. Ela faleceu em 2005, em paz, sendo cuidada no St. Christopher´s.


Cuidados Paliativos no Brasil

O movimento paliativista tem crescido enormemente, neste início de século, no mundo todo. Na Inglaterra, em 2005, havia 1.700 hospices, com 220 unidades de internação para adultos, 33 unidades pediátricas e 358 serviços de atendimento domiciliar. Estes serviços todos ajudaram cerca de 250 mil pacientes entre 2003 e 2004. Na Inglaterra, pacientes têm acesso gratuito a Cuidados Paliativos, cujos serviços são custeados pelo governo ou por doações. A medicina paliativa é reconhecida como especialidade médica.

Nos Estados Unidos, o movimento cresceu de um grupo de voluntários que se dedicava a pacientes que morriam isolados para uma parte importante do sistema de saúde. Em 2005, mais de 1,2 milhão de pessoas e suas famílias receberam tratamento paliativo. Nesse país, a medicina paliativa é uma especialidade médica reconhecida também.

No Brasil, iniciativas isoladas e discussões a respeito dos Cuidados Paliativos são encontradas desde os anos 70. Contudo, foi nos anos 90 que começaram a aparecer os primeiros serviços organizados, ainda de forma experimental. Vale ressaltar o pioneirismo do Prof. Marco Túlio de Assis Figueiredo, que abriu os primeiros cursos e atendimentos com filosofia paliativista na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM.

Outro serviço importante e pioneiro no Brasil é o do Instituto Nacional do Câncer – INCA, do Ministério da Saúde, que inaugurou em 1998 o hospital Unidade IV, exclusivamente dedicado aos Cuidados Paliativos. Contudo, atendimentos a pacientes fora da possibilidade de cura acontecem desde 1986. Em dezembro de 2002, o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo – HSPE/SP inaugurou sua enfermaria de Cuidados Paliativos, comandada pela Dra. Maria Goretti Sales Maciel. O programa, no entanto, existe desde 2000. Em São Paulo, outro serviço pioneiro é do Hospital do Servidor Público Municipal, comandado pela Dra. Dalva Yukie Matsumoto, que foi inaugurado em junho de 2004, com início do projeto em 2001.

A primeira tentativa de congregação dos paliativistas aconteceu com a fundação da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos – ABCP pela psicóloga Ana Geórgia de Melo, em 1997. Contudo, com a fundação da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, em 2005, os Cuidados Paliativos no Brasil deram um salto institucional enorme. Com a ANCP, avançou a regularização profissional do paliativista brasileiro, estabeleceu-se critérios de qualidade para os serviços de Cuidados Paliativos, realizou-se definições precisas do que é e o que não é Cuidados Paliativos e levou-se a discussão para o Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Conselho Federal de Medicina - CFM e Associação Médica Brasileira – AMB. Participando ativamente da Câmera Técnica sobre Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos do CFM, a ANCP ajudou a elaborar duas resoluções importantes que regulam a atividade médica relacionada a esta prática. 

Em 2009, pela primeira vez na história da medicina no Brasil, o Conselho Federal de Medicina incluiu, em seu novo Código de ética Médica, os Cuidados Paliativos como princípio fundamental. A ANCP luta pela regularização da Medicina Paliativa como área de atuação médica junto à Associação Médica Brasileira e a universalização dos serviços de Cuidados Paliativos no Ministério da Saúde.


Cenário atual no Brasil

No Brasil, as atividades relacionadas a Cuidados Paliativos ainda precisam ser regularizadas na forma de lei. Ainda imperam no Brasil um enorme desconhecimento e muito preconceito relacionado aos Cuidados Paliativos, principalmente entre os médicos, profissionais de saúde, gestores hospitalares e poder judiciário. Ainda se confunde atendimento paliativo com eutanásia e há um enorme preconceito com relação ao uso de opióides, como a morfina, para o alívio da dor. 

Ainda são poucos os serviços de Cuidados Paliativos no Brasil. Menor ainda é o número daqueles que oferecem atenção baseada em critérios científicos e de qualidade. A grande maioria dos serviços ainda requer a implantação de modelos padronizados de atendimento que garantam a eficácia e a qualidade. 

Há uma lacuna na formação de médicos e profissionais de saúde em Cuidados Paliativos, essencial para o atendimento adequado, devido à ausência de residência médica e a pouca oferta de cursos de especialização e de pós-graduação de qualidade. Ainda hoje, no Brasil, a graduação em medicina não ensina ao médico como lidar com o paciente em fase terminal, como reconhecer os sintomas e como administrar esta situação de maneira humanizada e ativa.

A ANCP prevê que, nos próximos anos, essa situação deverá mudar rapidamente. Com a regularização profissional, promulgação de leis, quebra de resistências e maior exposição na mídia (como na atual novela da TV Globo, Viver a Vida), haverá uma demanda por serviços de Cuidados Paliativos e por profissionais especializados. A ANCP e seus parceiros lutam para que isso de fato se torne realidade. A regularização legal e das profissões, por exemplo, permitirá que os planos de saúde incluam Cuidados Paliativos em suas coberturas. Está provado que Cuidados Paliativos diminuem os custos dos serviços de saúde e trazem enormes benefícios aos pacientes e seus familiares.

A conscientização da população brasileira sobre os Cuidados Paliativos é essencial para que o sistema de saúde brasileiro mude sua abordagem aos pacientes portadores de doenças que ameaçam a continuidade de suas vidas. Cuidados Paliativos são uma necessidade de saúde pública. São uma necessidade humanitária.





Sobre o tema, assista ao vídeo: 


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* Fonte: Academia Nacional de Cuidados Paliativos - ANCP / Novembro de 2009 / Permitida a reprodução desde que citada a fonte.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Cuidados Paliativos: A médica que prescreve poesia na lida diária com a morte.

Texto de Paulo Hebmüller, do Jornal da USP, especial para o USP Online.


“Medicina é simples, difícil é psicologia.”
Ana Claudia Quintana Arantes






Médica lança livro de poesias e conta
experiência profissional e afetiva com pacientes terminais |
Foto: Hospital Albert Einstein
Um paciente alcoólatra, vítima de cirrose e câncer, com a barriga inchada pela doença e a pele tão amarelada a ponto de a estudante de Medicina que foi visitá-lo fazer a comparação com a cor de um canário. Muitos anos depois, ainda é no seu Antônio, o paciente que lhe coube entrevistar no Hospital Universitário (HU) da USP, que a médica Ana Claudia Quintana Arantes identifica o ponto de partida para sua trajetória na área de cuidados paliativos – uma disciplina pouco difundida e que continua cercada por preconceitos no Brasil.

Angustiada porque seu Antônio não conseguia contar sua história – as dores eram grandes demais –, a então terceiranista da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) procurou o professor para saber se havia algum remédio que pudesse aliviá-lo. “Ele fez uma cara de irritado e disse: ‘Eu já tinha dito que era um paciente terminal. Você sabe o que é um paciente terminal?’ Eu disse que sim, mas que ele estava com dor. Aí o professor falou que não tinha nada para fazer”, conta Ana Claudia. “‘Não? Ele está morrendo de dor. Não tem nada para aliviar a dor agora?’ Aí ele respondeu que não, que se eu desse o remédio para dor o fígado não aguentaria. Eu perguntei: ‘Mas você não está me dizendo que não tem mais jeito? Que diferença faz salvar o fígado dele porque não demos analgésico?’ Bom, tomei uma baita de uma cravada…”

“Cuidados paliativos não são abandono; pelo contrário, nós dobramos a escala do paciente.”

É com base em histórias como essa que a médica acredita que sua opção pelos cuidados paliativos “veio pela dor”. Aliás, diz, “a maior parte dos profissionais que trabalham com isso deve a escolha à vivência de uma situação difícil”. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os cuidados paliativos são uma abordagem que melhora a qualidade de vida do paciente e de sua família em caso de doenças que ameacem a continuidade da vida. Eles incluem a avaliação e o controle de forma impecável não somente da dor, mas de todos os sintomas de natureza física, social, emocional e espiritual.

“Todos são portadores de felicidade. Uma pena notar que boa parte da humanidade ainda é assintomática.”

Em outras palavras, os cuidados paliativos focam o conforto e o bem-estar do paciente e dos familiares quando se sabe que a doença não responde mais aos tratamentos convencionais e levará ao desfecho inevitável. Eles representam o contrário da obstinação terapêutica, em que todos os recursos tecnológicos são utilizados para manter a sobrevida – num quadro que, não raro, se traduz numa pessoa inconsciente cujas funções orgânicas só se sustentam porque ligadas a aparelhos. É por essa razão que profissionais de várias correntes defendem que a obstinação terapêutica – ou distanásia – nada tem a ver com prolongamento da vida, mas sim com mero adiamento artificial da morte, causando ainda mais sofrimento ao paciente e à família.

Enquanto nos Estados Unidos existem mais de dois mil programas de cuidados paliativos, no Brasil eles são pouco mais de 30. É bom, entretanto, não confundi-los com as estratégias de “humanização” apregoadas pelos grandes hospitais, alerta a médica. “Humanização é aparência, uma coisa ligada ao discurso corporativo. Os cuidados paliativos trazem humanidade”, defende. “Não se pode pensar num profissional da área que não seja uma pessoa muito boa no que faz. Tem que buscar o melhor em termos de formação, de conhecimento técnico e de atualização, mas tem que ter o coração envolvido.”

“O estado de amorosidade do ser humano deveria se tornar algo como a temperatura ou o pH do sangue: perene, necessário ao bom funcionamento de todos os nossos sistemas, internos e externos.”

Ana Claudia vai lançando suas sementes para tentar envolver mais corações. Formada em 1993, fez residência em Geriatria e Gerontologia no Hospital das Clínicas da FMUSP, pós-graduação em Intervenções em Luto pelo Instituto 4 Estações de Psicologia e especialização em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium e Universidade de Oxford, na Inglaterra.

Em 2007, criou em São Paulo, ao lado de três colegas, a Casa do Cuidar, organização voltada para a prática e ensino de cuidados paliativos. “Está cheio de gente morrendo mal”, justifica, e avisa: “quando chegar a minha vez, quero alguém que me cuide direito, porque eu vou dar trabalho”.

Foto: Divulgação
Trabalho, por sinal, é o que não falta a esta leonina de 43 anos que se realimenta lendo e escrevendo. Seu blog prescreverpoesia.blogspot é a origem do livro de poemas Linhas Pares (Scortecci Editora, 2012), que Ana lança no próximo sábado, (12) de maio, a partir das 15 horas, na Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, São Paulo).

O volume, ela assina como Claudia Quintana – poeta “tão mais doce e feliz do que a doutora Ana” –, numa apropriada coincidência de sobrenome com Mario Quintana, um de seus autores preferidos.

Os muitos ensinamentos a respeito da vida que os anos de trabalho intenso com pessoas tão próximas da morte lhe trouxeram são um dos temas da entrevista com a médica poeta, que você lê na entrevista completa (em PDF).



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Fontes:

Matéria publicada em USP Brasil: A médica que prescreve poesia na lida diária com a morte.
Editoria: Ex-alunos, Gente da USP, Perfil, USP Online Destaque | Autor: Redação | Data:9 de maio de 2012.

Vídeo divulgado por Conti Outra, Artes e Afins.



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